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HEIDEGGER. Martin. Qu’est-ce Que la philosophie?. In. Col. Os Pensadores. Trad. Ernildo Stein, Rio de Janeiro: Nova Cultural, 2005.

O texto de Heidegger “Qu’est-ce que la philosophie?” é extremamente intrigante quanto a forma. Eu que estou acostumado a apenas comentar em forma de fichamento, tenho um problema enorme adiante para discorrer sobre este texto: trata-se do fato de que ele tem em sua “essência” o caráter de um texto filosófico. Heidegger coloca na forma texto todo o objetivo do próprio; em outras palavras, Heidegger responde a pergunta: que é isto – a filosofia? Filosofando. Os limites, portanto, destes meus comentários, são vários, mas o mais significativo é que eu não sou filósofo e não sei filosofar. Logo não vou comentar o texto, filosofando… Todavia, vou parar de adiantar o texto e passar para a análise, que é o que resta, respeitando o objetivo desta minha apreciação. Pois que, ao ler o texto de Heidegger, sei que esta minha forma de apresentação, NÃO é, de modo algum, um comentário filosófico. Se eu conseguir, a partir dos meus comentários, demonstrar isto, por contraste, acredito ter apresentado o texto, enfatizando o que NÃO é filosofia – eis a estratégia que será por mim perscrutada.

O primeiro ponto abordado por Heidegger é a tentativa de circunscrever seu objeto, considerando o fato da amplitude de respostas para a sua pergunta, a saber: o que é isto – a filosofia? A rigor, o escopo de sua análise restringe-se à tentativa de um diálogo. Mas, mais do que isso, o autor pondera o fato de que o caminho escolhido para a resposta de tal pergunta deve considerar para tanto a própria filosofia como perspectiva. Heidegger exemplifica outras maneiras de responder esta pergunta, tal como ponderações históricas sobre o tema. Deste modo o autor define sua perspectiva de maneira diferente, trata-se de: ‘entrar na filosofia’ para responder a questão, sendo este um “autêntico” caminho filosófico. O texto experimentará, por conseguinte, alguns caminhos, que serão percorridos para tratar da resposta sobre o que seria a filosofia, a partir de temas caros à própria filosofia, tais como: a questão do eu, da razão, dos conceitos, da gênese do pensamento filosófico na Grécia antiga – reflexão e caminho para se pensar a filosofia que o autor mais se detém –, a relação da filosofia com sua história (história da filosofia), o ser e o ente e próprio diálogo com filósofos. Abordarei cada tema deste, à maneira de como aparecem no texto, a seguir.

Subjetividade e Razão

Ao estabelecer este caminho, que percorrerá a essência do próprio texto, (a meta de nossa questão é penetrar na filosofia, demorarmo-nos nela, submeter nosso comportamento às suas leis, quer dizer, “filosofar”) Heidegger (2005, p.33) coloca que o parâmetro a se considerar para tal intento, primeiramente, seja o objetivo de que a reflexão “atinja a responsabilidade, que toque o ‘nosso’ ser”. Com relação a esta abordagem o autor tematiza, tangencialmente, o tema da subjetividade, ao destacar que esta relação procurada (‘de toque com o nosso ser’), não é com o “eu” – o “eu” das emoções, afetivo e sentimental – mas com o “eu”, como aquele que filosofa. Nesse sentido, o autor precisa que uma das delimitações do que seja a própria filosofia seria seu papel de guardiã da razão, ratificando a idéia de que dela deve-se partir o próprio filosofar. Entretanto, o autor chama atenção para que esta primeira definição – a base da filosofia como a razão – suscitaria maiores controvérsias. Pois, este pressuposto  necessitaria de uma noção prévia do que seria a ratio; mesmo considerando que a filosofia seja uma tarefa irracional, como para alguns, tal definição teria, também, que se embasar em uma determinação do que seja a própria razão.

O autor assim conclui que – com relação a este problema sobre a necessidade de se tratar da questão filosoficamente – ‘tocar nosso ser’ significa, todavia, um devido distanciamento do afetivo e do emocional:

Se, por outro lado, apontamos para a possibilidade de que aquilo a que a filosofia se refere concerne a nós homens em nosso ser e nos toca, então poderia ser que esta maneira de ser afetado não tem absolutamente nada a ver com aquilo que comumente se designa como afetos e sentimentos, em resumo, o irracional. (Heidegger, 2005 p.35)

Nesta primeira tentativa de caracterização da filosofia, o autor enfatiza os problemas que se enfrenta ao se propor responder à questão “O que é isto – a filosofia?” dando uma prévia do próprio percurso filosofante.

História

Levando em conta o tipo de problema presente na discussão acima, o autor sugere como caminho de reflexão, pensar a palavra filosofia. Primeiro com alguns cuidados, tais como livrá-la de representações arbitrárias. Sugere que escolherá como percurso o sentido da palavra em grego – philosophía; a despeito dos conhecimentos históricos que se tem sobre a filosofia grega que, nesta perspectiva, não devem ser ponto de partida da reflexão. O retorno à palavra significa captar sua origem, mas não para tratar do que seria a filosofia a partir de uma narração de sua formação, este empreendimento aparece apenas para fundamentar a própria maneira de se perguntar como uma questão própria do ocidente. O autor contextualiza a filosofia, mostrando que esta nasceu na Grécia e é produto da civilização ocidental: “a filosofia é nas origens de sua essência de tal natureza que ela primeiro se apoderou do mundo grego e só dele, usando-o para se desenvolver” (Heidegger, 2005, p.37). Assim enfatiza o papel das representações da Idade Média e da Modernidade na continuidade desta tradição. Isto anuncia o caráter historial da filosofia, além de chamar atenção para o papel devedor da ciência para com este processo. Nesta esteira, afirma o autor: “só o ocidente e a Europa são necessariamente ‘filosóficos’”. (Heidegger, 2005, p.38)

Ao falar do processo e da constituição de uma tradição, Heidegger coloca o problema da história e a relação da filosofia com este passado. Entretanto, esta relação e como ele a trata não tem nada a ver com o historicismo. Segundo o autor:

A tradição não nos entrega à prisão do passado e irrevogável. Transmitir, delivrer é um libertar para a liberdade do diálogo com o que foi e continua sendo. Se estivermos verdadeiramente atentos à palavra e meditarmos o que ouvimos, o nome “filosofia” nos convoca para penetrarmos na história da origem grega da filosofia. A palavra philosophía está, de certa maneira, na certidão de nascimento de nossa própria história; podemos mesmo dizer: ela está na certidão de nascimento da atual época da história universal que se chama era atômica. Por isso somente podemos levantar a questão: Que é isto — a filosofia? se começamos um diálogo com o pensamento do mundo grego. Porém, não apenas aquilo que está em questão, a filosofia, é grego em sua origem, mas também a maneira como perguntamos, mesmo a nossa maneira atual de questionar ainda é grega. (Heidegger, 2005, 38)

A pergunta filosófica

“Perguntamos: que é isto…? Em grego isto é: ti estin”, afirma Heidegger que apresentará esta maneira de questionar como característica do pensamento filosófico. Para isto dá o exemplo da árvore, segundo o autor:

Podemos perguntar, por perguntar, por exemplo: que é aquilo lá longe? Obtemos então a resposta: uma árvore. A resposta consiste em darmos o nome a uma coisa que não conhecemos exatamente. Podemos, entretanto, questionar mais: que é aquilo que designamos “árvore”? Com a questão agora posta avançamos para a proximidade do ti estin grego. É aquela forma de questionar desenvolvida por Sócrates, Platão e Aristóteles. Estes perguntam, por exemplo: Que é isto — o belo? Que é isto — o conhecimento? Que é isto — a natureza? Que é isto — o movimento? (Heidegger, 2005, 39)

Estaria nesta diferença sobre o que é o ‘que é isto’ seus dois sentidos, o descritivo e a pergunta grega que se volta para os fundamentos. Mas outra característica da pergunta filosófica apontada por Heidegger, que se deve ter atenção, é para o sentido do ti, para o que significa o “que” nesta pergunta. O autor responde sobre este significado alertando para como seu sentido varia de autor para autor, em suas palavras:

Aquilo que o ‘que’ significa se designa o quid est, tò quid: a quidditas, a qüididade. Entretanto, a quidditas se determina diversamente nas diversas épocas da filosofia. Assim, por exemplo, a filosofia de Platão é uma interpretação característica daquilo que quer dizer o ti. Ele significa precisamente a idéia. O fato de nós, quando perguntamos pelo ti, pelo quid, nos referimos à “idéia” não é absolutamente evidente. Aristóteles dá uma outra explicação do ti que Platão. Outra ainda dá Kant e também Hegel explica o tí de modo diferente. Sempre se deve determinar novamente aquilo que é questionado através do fio condutor que representa o ti, o quid, o “que”. Em todo caso: quando, referindo-nos à filosofia, perguntamos: que é isto? levantamos uma questão originariamente grega. (Heidegger, 2005, p.40)

As conclusões de Heidegger são contundentes por fim: a questão que é isto – a filosofia? não é um problema de conhecimento sobre si mesmo, nem histórico, no sentido de como a filosofia chegou a ser o que é (mesmo que sendo historial e carregada de historicidade) ela está no cerne do que o autor chama de ‘existência ocidental-européia’, ainda que em alguns momentos não se tenha consciência desta questão – a maneira grega de se perguntar e de ser. A apresentação deste sentido pleno da pergunta é o caminho para a resposta segundo o autor, e demorar-se nele é objetivo a ser seguido, ou seja, a procura da essência filosofia teria como ponto de partida a palavra grega philosophía.

Uma análise a partir da língua grega

A proposta do autor nesta parte do texto é oferecer uma análise sobre a questão a partir da língua grega, primeiro caracterizando-a como diferente das línguas ocidentais. Heidegger indica que a língua grega é logos e que suas palavras são aquilo mesmo que designam, sem intermediários. O autor mostra que o adjetivo – filosófico, veio antes da própria palavra filosofia e que, desta maneira:

A palavra philósophos foi presumivelmente criada por Heráclito. Isto quer dizer que para Heráclito ainda não existe a philosophía. Um anèr philósophos não é um homem ‘filosófico’. O adjetivo grego philósophos significa algo absolutamente diferente que os adjetivos filosófico, philosophique. Um anèr philósophos é aquele, hòs philei tá sophón; philein, que ama a sophón significa aqui, no sentido de Heráclito: homologein, falar assim como o Lógos fala, quer dizer, corresponder ao Lógos. (Heidegger, 2005, p. 42)

O autor mostra como a filosofia atinge a própria questão do ser ao afirmar que:

O anèr philósophos ama o sophón. O que esta palavra diz para Heráclito é difícil traduzir. Podemos, porém, elucidá-lo a partir da própria explicação de Heráclito. De acordo com isto, tá sophón significa: Hèn Pánta ‘Um (é) Tudo. Tudo quer dizer aqui: Pánta tà ónta, a totalidade, o todo do ente. Hèn, o Um, designa: o que é um, o único, o que tudo une. Unido é, entretanto, todo o ente no ser. O sophón significa: todo ente é no ser. Dito mais precisamente: o ser é o ente. Nesta locução, o “é” traz uma carga transitiva e designa algo assim como “recolhe”. O ser recolhe o ente pelo fato de que é o ente. O ser é o recolhimento — Lógos. Todo o ente é no ser. Ouvir tal coisa soa de modo trivial em nosso ouvido, quando não de modo ofensivo. Pois, pelo fato de o ente ter seu lugar no ser, ninguém precisa preocupar-se. Todo mundo sabe: ente é aquilo que é. Qual a outra solução para o ente a não ser esta: ser? E entretanto: precisamente isto, que o ente permaneça recolhido no ser, que no fenômeno do ser se manifesta o ente; isto jogava os gregos, e a eles primeiro unicamente, no espanto. Ente no ser: isto se tomou para os gregos o mais espantoso. (Heidegger, 2005, p. 45)

O autor conclui que a busca do ente ‘enquanto é’ é o que motiva a própria filosofia, quando se dá esta separação, do ente no ser, no seio do pensamento grego. Por mais óbvia que seja a relação entre os dois, só a partir deste pressuposto do ente como o ser, é que se tem a origem da pergunta filosófica. O caso da árvore citado acima parece bastante ilustrativo: se espantar frente a uma pergunta como a que: o que está logo ali? E a resposta ser uma árvore e pergunta-se sobre o que é aquilo que designamos como árvore exemplifica esta busca filosófica do ente enquanto é. A forma aristotélica para a questão, segundo Heidegger, é: o que é o ente? No entanto, o ser do ente varia de autor para autor, sendo no caso de Platão a idéia e, no caso de Aristóteles, a energeia.

Com relação a estes diferentes sentidos do “que” o autor se detém na definição Aristotélica, mas demonstra como ela não é a única, e como já estaria no quadro do pensamento do qual herdou a pergunta. Por exemplo, relacionando a própria filosofia de Aristóteles e de Nietzsche mostra que poder-se-ia através da erudição citar várias formas de definição da filosofia e delas deduzir o que têm em comum e daí extrair uma resposta sobre o que seria a filosofia. Todavia, o autor mostra que isto não seria responder a pergunta de modo autêntico, responder de tal modo seria uma resposta à questão, filosofando. Mas para além da resposta de como responder a pergunta filosofando o próximo ponto enfatizado por Heidegger é a necessidade de entrar em diálogo com aquele que filosofa, como uma das constituintes da filosofia, o dialégesthai. Mas este entrar em diálogo com os filósofos é diferente de tentar definir a filosofia verificando as opiniões dos filósofos e descrevê-las, mas trata-se de debater com eles aquilo que falam.

A filosofia pela filosofia heideggeriana, a busca do co-responder

Ainda na busca da resposta à questão, Heidegger afirma que deve-se chegar na busca do ente enquanto ser (atingir o ser do ente), que resumiria a busca da própria filosofia. Isto é o que o autor designa como a co-respondência. Ela antecipa a re-posta sobre a pergunta, no sentido de que só quando há co-respondência e que se pode sobre o tema levantar uma teoria.

Em passagens anteriores o próprio Heidegger já chamara a atenção para como o que o ‘isto’ muda de filósofo para filósofo. Nas partes seguintes, Heidegger começa a tratar a questão a partir de sua maneira de filosofar, uma delas é dar ênfase na questão do ser, outra a necessidade de voltar ao sentido da palavra filosofia em grego.  Na passagem a abaixo começa-se a perceber como Heidegger vai incorporando à resposta o que o mesmo busca em seu projeto. Neste movimento percebe-se então a tentativa de diálogo que o mesmo propôs acima. Vê-se que ele para explicar a filosofia foge à mera descrição do que outros filósofos falaram dela, tornando-se totalmente coerente ao tratar da questão, filosofando à sua maneira. Neste trecho isto fica bem claro:

A resposta à questão: Que é isto — a filosofia? consiste no fato de correspondermos àquilo para onde a filosofia está a caminho. E isto é: o ser do ente. Num tal corresponder prestamos, desde o começo, atenção àquilo que a filosofia já nos inspirou, a filosofia, quer dizer, a philosophía entendida em sentido grego. Por isso somente chegamos assim à correspondência, quer dizer, à resposta à nossa questão, se permanecemos no diálogo com aquilo para onde a tradição da filosofia nos remete, isto é, libera. Não encontramos a resposta à questão, que é a filosofia, através de enunciados históricos sobre as definições da filosofia, mas através do diálogo com aquilo que se nos transmitiu como ser do ente. (Heidegger, 2005, p. 46)

No caso deste texto, eu não estou filosofando e sim descrevendo o que um filósofo pensa sobre a filosofia. Mas no texto de Heidegger, o autor deixa os passos para se fazer filosofia, primeiro identificar a busca da filosofia, segundo ter um problema, que, no final, responderia à pergunta. Assim retorna ao problema da relação com a tradição que poderia ser tomado como parâmetro de distinção de um comentador (que está preocupado com a descrição do pensamento de um filósofo) e um filósofo (que trata de uma questão entrando em co-respondência com o ser). Heidegger afirma: “Este caminho para a resposta à nossa questão não representa uma ruptura com a história, nem uma negação da história, mas uma apropriação e transformação do que foi transmitido.” O comentador encontra-se a meio caminho desta relação com a tradição. Com relação à co-responder, o autor afirma: “Se o diálogo é a possibilidade do ente enquanto ser ele tem que estar aberto para que se haja mudança no pensamento e para que a busca não acabe”. Por isso ao filosofar entra-se em diálogo com a tradição transformando-a; caso contrário ela assumiria algo de imóvel como a própria concepção que o autor criticara no início de sua exposição. Em sua obra esta questão foi tratada ao defender que: “Uma tal apropriação da história é designada com a expressão “destruição”. O sentido desta palavra é claramente determinado em Ser e Tempo (§ 6). Destruição não significa ruína, mas desmontar, demolir e pôr-de-lado — a saber, as afirmações puramente históricas sobre a história da filosofia.” O autor então faz uma possível objeção a ser feita com relação à co-respondência, se esta sempre existe? Para a resposta, se todos nos sempre estamos em correspondência com o ser, Heidegger afirma o seguinte:

Na verdade, esta é a situação. Mas, se a situação é esta, então não podemos dizer que primeiro nos devemos situar nesta correspondência. E, contudo, dizemos isto com razão. Pois nós residimos, sem dúvida, sempre e em toda parte, na correspondência ao ser do ente; entretanto, só raramente somos atentos à inspiração do ser. Não há dúvida que a correspondência ao ser do ente permanece nossa morada constante. Mas só de tempos em tempos ela se torna um comportamento propriamente assumido por nós e aberto a um desenvolvimento. Só quando acontece isto correspondemos propriamente àquilo que concerne à filosofia que está a caminho do ser do ente. O corresponder ao ser do ente é a filosofia; mas ela o é somente então e apenas então quando esta correspondência se exerce propriamente e assim se desenvolve e alarga este desenvolvimento. Este corresponder se dá de diversas maneiras, dependendo sempre do modo como fala o apelo do ser, ou do modo como é ouvido ou não ouvia um tal apelo, ou ainda, do modo como é dito e silenciado o que se ouviu. (Heidegger, 2005, p. 49)

Para falar sobre este chamado o autor menciona que este problema já fora tratado muito antes, na própria filosofia grega, a partir da noção de páthos. Este carregar do pathós é o que distingue a correspondência daquela comum, é só quando se esta na filosofia, naquilo que o autor diz quando se atende à inspiração do ser que se tem a co-respondência. Nesse sentido, o espanto é, enquanto páthos, a arkhé da filosofia. O autor afirma que:

Devemos compreender, em seu pleno sentido, a palavra grega arkhé Designa aquilo de onde algo surge. Mas este “de onde” não é deixado para trás no surgir; antes, a arkhé torna-se aquilo que é expresso pelo verbo arkhein, o que impera. O páthos do espanto não está simplesmente no começo da filosofia, como, por exemplo, o lavar das mãos precede a operação do cirurgião. O espanto carrega a filosofia e impera em seu interior. (Heidegger, 2005, p. 50)

Percebe-se desta forma uma maneira de colocar-se perante a tradição. A pergunta sofre alterações, pelo que o autor mostra então como a pergunta muda com a filosofia moderna a partir de Descartes. Ela transforma-se na relação da dúvida, do que corresponde ao ente enquanto é; na forma de como qual é o ente verdadeiro, suscitando a questão da verdade. Mas ao fazer esta caracterização histórica, Heidegger reitera que sua pergunta é mais do que histórica, mencionando o problema na filosofia moderna: “Parece até que levantamos apenas questões históricas. Mas na verdade meditamos o destino essencial da filosofia. Procuramos pôr-nos à escuta da voz do ser. Qual a dis-posição em que ela mergulha o pensamento atual?” (Heidegger, 2005, p.48) Aparece aí, bem claro, o programa de sua filosofia e seu ponto de partida enquanto tal. Suas respostas a esta questão constituem o cerne de seu projeto. No entanto,considerando o objetivo do autor no texto, ele foge a uma caracterização em por menor do problema, o que não nos permite aprofundar na maneira como se desenvolve seu pensamento. Mas logo após trazer a relação da filosofia com o pensamento na atualidade: as relações da ciência, da lógica-matemática, da afetividade, o autor mostra sua maneira de filosofar, com a qual encerra sua conferência, dando a seguinte caracterização:

A correspondência propriamente assumida e em processo de desenvolvimento, que corresponde ao apelo do ser do ente, é a filosofia. Que é isto — a filosofia? somente aprendemos a conhecer e a saber quando experimentamos de que modo a filosofia é. Ela é ao modo da correspondência que se harmoniza e põe de acordo com a voz do ser do ente. (Heidegger, 2005, p. 51)

Heidegger finaliza abordando seu último programa filosófico, sua reflexão sobre a linguagem e sua relação com o ser do ente, por isso, parece que em sua última fase se dedicou ao tema da poesia. Contudo, descrevendo este experimentar a filosofia perseguido no conteúdo do próprio texto, como vimos, afirma que, entretanto, não conduziu ninguém a um programa fixo:

Agora, porém, haveria boas razões para exigir que nosso encontro se limitasse à questão que trata da filosofia. Esta restrição seria só então possível e até necessária, se do diálogo resultasse que a filosofia não é aquilo que aqui lhe atribuímos: uma correspondência, que manifesta na linguagem o apelo do ser do ente. (Heidegger, 2005, p. 51)

O autor abre, por conseguinte, o caminho para continuar o diálogo (ao mostrar o caminho a partir do seu texto) com o imperativo de que respondam “Que é isto – a Filosofia?” filosofando…

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