Lila Abu-Lughod
Nossa! Depois de pronto, olhar e ver a resenha de 4 livros e ainda fazer uma proposta de uma nova Antropologia parece, em um primeiro momento, algo fácil quando vista prontinha aqui na internet. Muito pelo contrário, não teve nada de fácil como comentado na última aula. Entretanto, pelo menos como exercício valeu a pena. Faltam sempre os ajustes.
Esteban Krotz David Graeber
Algumas partes já estão na Resenha de Lila Abu-Lughod e aqui aparecem já em um outro texto. Tudo sem revisão, por que estes últimos escritos (umas 40 pág de Word) são de um período de tempo de menos de uma semana. São muitas leituras, por conseguinte, as escritas se tornam um verdadeiro parto. No entanto, desejo-me boa sorte no ritmo que tenho levado. Revisões ortográficas e gramaticais no meio de tantas idéias serão feitas algum dia quando da reeleitura dos textos que não aguento nem olhar mais!
Walter Mignolo
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL
RESENHA CRÍTICA E PROPOSITIVA: Outras antropologias são possíveis.
“A tempestade na/da Antropológi(c)a, Processing…”
Atividade como requisito para o cumprimento de créditos na Disciplina Epistemologia da Antropologia (Teoria Antropológica a partir de 1980) no Programa de Pós – Graduação em Antropologia Social do Dan/UnB ministrada pelo Profº Drº Paul E. Little.
João Paulo Aprígio Moreira
A TEMPESTADE NA/DA ANTROPOLÓGI(C)A, “PROCESSING”…
“A antropologia ainda não morre”
Manuela Carneiro da Cunha
A antropologia tem conseguido dar muitas explicações, mas todas elas retrospectivas. Nas últimas décadas, passou muito tempo explicando até seu próprio passado. O futuro da disciplina, esse, ninguém sabe. Ela foi declarada em estado grave há umas duas décadas, mas até agora não vi atestado de óbito.” (Folha de São Paulo. São Paulo, domingo, 17 de dezembro de 2006 ).
A primeira resenha que aqui se segue, “Writting against culture” de Lila Abu-Lughod, com um nome já bastante sugestivo, indica com muita acuidade, uma perspectiva para o problema que vamos nos dedicar nos próximos quatro textos, qual seja: A “crise?” da Antropologia na pós – modernidade. Apresentaremos uma resenha de cada um dos autores focando, principalmente, no de Walter Mignolo e o de Lila Abu-Lughod. Tenciona-se problematizá-los a partir de uma determinada perspectiva que é diretamente correspondente à proposta por nós esboçada, resultado da formulação de uma crítica que fosse propositiva.
Todavia, acredito que, devido à extensão do trabalho, este não deve ser tratado sob o aspecto de uma resenha apenas, pois trata-se, antes de tudo, de fichamentos de textos que foram primeiramente traduzidos, preconizando desta forma, uma analítica densa. A seguir tem-se a tentativa de um dialogo intertextual que toma como eixo a crise epistemológica na(da) antropológi(c)a, especialmente a partir da Déc. de 80, que teve como conseqüência, não só nesta disciplina mas em outras também, a fragmentação. È possível perceber uma discussão sobre a prática etnográfica de maneira problematizada em perspectiva “conflituosa” no próprio discurso como, por exemplo, as críticas dos Cultural Studies ( Cult Studies como destaca Sahlins:2001 o termo tratado por Tom Frank), versando sobre a questão de identidade ou o que eu chamaria de supressão epistemológica, narrada no texto de Mignolo na forma de oposição entre paradigma decolonial e o paradigma do noveloso. Como se vê, poderíamos falar de uma crise de representação, que vai desde um nível teórico a feitura do próprio texto como os problemas colocados por Abu-Lughod e seu debate da significância da teoria feminista para a teoria antropológica quando problematiza o tipo de disposição das forças na relação “eu” e “outro” automaticamente ajustada em nível epistemológico através do conceito de cultura na Antropologia de maneira hierarquizadora ao “marcar diferenças”, chegando ao final a sugerir estratégias textuais.
Por outro lado, a perspectiva disciplinar é retomada por Graeber ao propor uma Teoria Antropológica anarquista, ou seja, que passe a tratar de problemas relevantes ao movimento como a questão da autoridade. Simultaneamente isto é feito no caminho inverso pela formulação de respostas antropológicas/históricas que fundamentem o Anarquismo a partir da Teoria. Questões teóricas da antropologia como os modos de vida de outras sociedades, a construção do estado-nação, noções de poder, cosmologias, capitalismo, teorizações são colocadas como “respostas” aos problemas das relações sociais a partir de uma lógica anarquista. Fechando com a necessidade da utopia de Krotz em “La Otredad Cultural entre utopia y ciência” como acréscimo na prática antropológica, esvaziada desta na busca de uma objetividade científica (positivista, evolucionista) com a qual a antropologia em seus tempos de fragmentação estabeleceu uma relação crítica, para não dizer desconfiada. Com exceção de Graeber, todos os outros dividem uma crítica com frente anti-colonialista, cada um falando da “mundialização”* de um forma própria e da necessidade de posição política na prática antropológica. Deve-se considerar o caráter ensaísta de alguns dos textos, que nesses tempos se tornam densos e um tanto quanto confusos e que embora tratem de problemas semelhantes, a disparidade dos locais de “fala” levam os argumentos à uma variação de matizes quase que babilônicos (torre de babel), o que nos força a ponderar a dificuldade de um diagnóstico preciso que esperamos, até por nossa formação – História -, o tempo como mediador consiga “aclarar”, não totalmente, mas pelo menos ajudar no entendimento. Toda questão no calor do momento tende à se complexificar. Talvez, seja essa a grande dificuldade quando se fala de política etnográfica, e na política tudo é mais confuso quando não se crê em nada, daí a necessidade de “utopias” como chama a atenção Krotz ou; se crê em muitas coisas diferentes com necessidade de consenso. A antropologia encarnou todos esses problemas como nenhuma outra disciplina. Assim, conciliar o “eu” e o “outro”, talvez seja a questão mais relevante em tempos de “paz” e de “guerra”, como o que vivemos.
Por último, tento um exercício mais livre de proposição de uma nova antropologia como possibilidade, tratada a partir da vocação meta-reflexiva (Cardoso de Oliveira, 1988.) da disciplina no que diz respeito a uma etnografia do conhecimento. Em outras palavras, como o método etnográfico pode ser proveitoso para fornecer uma disposição específica para com a própria História da Antropologia sendo ela mesma iluminada criticamente pela prática etnográfica utilizada como auxilio na problemática da História da Ciência.
Com isto podemos tomar a fragmentação da própria disciplina Antropologia como um problema-caso. Essas questões são divididas dentro de várias outras disciplinas, como no caso da Epistemologia das ciências humanas (no sentido interno), sociologia do conhecimento, história da ciência ( no sentido interno e externo), e tantas outras, que neste caso particular, se propõem a pensar as mudanças teóricas de uma disciplina específica, que no nosso caso é a Antropologia. Faremos uma breve apresentação dos autores por ordem de exposição.
O primeiro texto com que vamos trabalhar, e desde logo já chamo atenção para nossa proposta inicial esboçada anteriormente, é ” Writting Against Culture” publicado em “Recapturing Anthropology: Working in the Present, ed. Richard Fox. Santa Fe, NM: School of American Research” de Lila Abu-Lughod.
Lila Abu-Lughod é Professora na Columbia University. Seu trabalho publicado em 1986: “Veiled Sentiments: Honor and Poetry in a Bedouin Society. Berkeley: University of California Press.” conferiu-lhe o título de PhD. em Antropologia pela Harvard University, entrando também para a lista dos 21 melhores livros dos estudos conhecidos como “Middle East Studies”, cuja figura de peso é Edward Said com seu clássico Orientalism. Seu campo foi em uma comunidade Beduína no Egito, onde trabalhou com os temas emoção, poesia e gênero sob uma perspectiva de crítica ao conceito de cultura. Seus interesses maiores são políticas feministas no mundo Árabe e pós-colonialismo.
O segundo autor a ser tratado é Walter Mignolo é professor de Literatura na Duke University em Durham nos Estados Unidos e tem estudos focados na área de semiótica, de analise do discurso e teoria literária. Seus livros estão dentro de uma tradição de crítica ao que se pode entender como caminhos para um pós-ocidentalismo mediado pela contribuição de um paradigma da coexistência, fruto da experiência dos povos que foram colonizados, sobre a perspectiva do América Latina.
Já David Graeber é um “anarquista, antropólogo e professor associado da Universidade de Yale. Esta universidade, no entanto, se negou a recontratá-lo após o término de seu contrato em junho de 2007, assunto em torno do qual se apresentam controvérsias e cartas de apoio ao professor e de repúdio à decisão da diretoria da universidade. Autor de Fragments of an Anarchist Anthropology e Towards and Anthropological Theory of Value: The False Coin of our Own Dreams, Graeber realizou extensos trabalhos antropológicos em Madagascar, escrevendo sua tese de doutoramento (The Disastrous Ordeal of 1987: Memory and Violence in Rural Madagascar), a respeito da reprodução das divisões sociais entre descendentes de nobres e escravos.”
E por último Esteban Krotz, antropólogo da Universidade Autônoma de Yucatan, cujo os texto “Crecimiento y fragmentación de la antropología” e “El perfil de una nueva pregunta antropológica” são reflexivos sobre as origens , o desenvolvimento e a reorientação da antropologia na sua relação com a diferença cultural.
Os dois primeiros tomaremos com mais por menor na necessidade de situar a problemático em que os demais também estão em diálogo o que nos interessa é mostrar as diversas propostas presentes nos textos e acrescentar alguns comentários que nos possibilite pensar uma outra antropologia possível. Primeiramente comentemos o texto de Abu-Lughod.
Problematizando o conceito de cultura em sua essencialidade e naturalidade como ocorrido com o conceito de raça anteriormente, Abu-Lughod chama à atenção para os dilemas impostos à prática etnográfica recentemente, mas a partir de uma reflexão interna na Teoria Antropológica. Em um primeiro momento, a autora argumenta sobre a relação de ingratidão da Antropologia com a escola feminista. Falando de Writting Culture de Clifford, a autora utiliza uma estratégia textual para a resolução de um problema que a priori é teórico. A saída para um problema conceitual (cultura) a partir de uma questão de representação refletida na escrita dos textos antropológicos. Conhecido sob o rotulo de crítica da autoridade etnográfica, a autora chama atenção para uma perspectiva específica: fazendo uma crítica do conceito de cultura, e as relações hierárquicas que estão implícitas no trato antropológico do mesmo, questionando o poder. O ponto de crítica é a convergência, e isso no texto aparece sob a forma de uma querela teórica em relação à contribuição do feminismo para antropologia. Fala-se das críticas feministas à representação, como ocorrida em seus grupos, e das críticas pós-colonialistas da relação ocidente e não-ocidente, como tratada pelos problemas dos Halfies. O que é bom salientar é o local donde saem suas críticas, como já mencionado anteriormente seu campo foi no Oriente Médio, palestina, a autora é formada nos Estados Unidos, e essa relação conflituosa é vivida cotidianamente por lá, um exemplo o fato extremo resultado com o Atentado de 7 de setembro às torres gêmeas. Não que coloquemos os fatores históricos como determinantes dos problemas teóricos, mas o que se pode perceber é que esta relação conflituosa (velada) do cotidiano norte-americano refletiu diretamente nos problemas teóricos da Antropologia por lá feita, o que não seria nenhuma novidade.
Entretanto, o grande marco defendido pela autora no texto é além de uma crítica ao conceito de cultura ou a autoridade etnográfica – e outras até então já tinha sido feitas – considerar a “virada histórica”, para os problemas de falta de historicidade nas mudanças culturais o que a autora trabalha sobre as noções de “coherence, timelessness, and discreteness” (Abu-Lughod, p. 147: 1991) -, dar ênfase na questão do poder, das relações assimétricas contidas na oposição do olhar antropológico presentes na dicotomia “Eu” e o “Outro”. Não obstante, a partir de noções foucaultianas, mais do que uma crítica a autoridade etnográfica, a autora avança refletindo sobre inovações na escrita etnográfica que tentam implodir esta noção de oposição assimétrica contida no conceito de “cultura”. Desta maneira é que coloca as possibilidades oferecidas em trabalhar com as noções de prática e discurso, as conexões históricas da relação antropólogo e grupo estudado, não sob uma perspectiva existencial, mas sim das relações históricas entre os dois grupos relacionados no “experimental moment” ( Abu – Lughod apud Marcus and Fischer 1986) e, com uma maior ênfase, na etnografia do particular, que diz respeito à uma estratégia de pesquisa que visa escrever experiências individuais no tempo e no espaço a fim de captar as contradições internas presentes na perspectiva “micro”, que fazem confluência com o padrões que são tido como únicos na perspectiva “macro”.
Da contribuição do feminismo à Antropologia, mesmo a despeito da ingratidão para como a mesmo por parte da Antropologia, a autora passa para uma crítica do humanismo, mostrando que a própria reflexão da autoridade etnográfica pode se configurar como uma tática, sendo a própria “crise” um resultado e uma resposta para a Antropologia.
Com relação às respostas vindas por perspectiva teórica, substantiva, ou textual; a primeira referente aos conceitos de discurso e prática, a outra abordagem substantiva dizendo respeito às conexões históricas, e a última a textual, dessas três abordagens exploradas pela autora contra o conceito de cultura em sua reificação, a que sustenta toda sua argumentação, com um diálogo com a Teoria Antropológica no que diz respeito à contribuição histórica do feminismo, é a saída Textual.
A etnografia do particular como estratégia textual dispõe um modo de escrita e observação etnográfica que, ao mesmo tempo em que combate o conceito de cultura, tem a vantagem de posicionar politicamente o pesquisador redimindo-o das criticas postuladas para o relativismo de um lado, ou para a neutralidade positivista do outro, transformando um problema de agenda política em um problema teórico, que por conseguinte, cria uma disposição metodológica para a pesquisa antropológica.
Teoria etnográfica enriquecida por técnicas de observação novas, e estratégias de escritas novas respondendo ao problema da autoridade etnográfica colocado por Clifford. Ainda assim, essas mudanças são frutos além de respostas à problemas teóricos da disciplina como bem tratado argumentivamente pela autora e sim, também, resultados de uma conjuntura histórica específica que não foi recuperada, sendo este o ponto fraco do texto por nos deixar sem muitas explicações. Se observamos, todas as críticas ao conceito de cultura nas relações ocidente e oriente envolvem questões políticas que têm que ser contextualmente localizadas.
E para não ficarmos somente na crítica histórica encerremos com uma citação de Marshall Sahlins à guisa de ilustração:
“Heráclito x Heródoto
Um dos argumentos correntes contra a coerência das culturas e a possibilidade de se realizar qualquer tipo de etnografia sistemática é que, como um certo rio filosófico de renome, as culturas estão sempre mudando. O fluxo é de tal natureza que jamais se pode mergulhar duas vezes na mesma cultura. E, todavia, a não ser que alguma identidade e consistência sejam simbolicamente impostas às práticas sociais, como também aos rios, não apenas pelos antropólogos mas também pelas pessoas em geral, a inteligibilidade, ou mesmo a sanidade, para não falar na sociedade, seriam impossíveis. Pois, parafraseando John Barth, a realidade é um lugar para se visitar (filosoficamente), mas ninguém nunca morou lá.” (Sahlins, p.19:2003)
Mignolo com uma crítica também à epistemologia ocidental ao invés de tratar questões de método e até por seu universo ser o da crítica literário nos chama à atenção para uma versão latino-americana do problema no lugar de uma da questão oriente – ocidente como trata Abu-Lughod. Porém, é interessante observar que os dois falam do mesmo local, ambos de formação em Universidade Norte-americanas e de lá escrevem seus textos.
Os livros de Mignolo tratam de questões dos Estudos Pós-coloniais. Este tema é uma reatulização a partir da experiência da globalização, já que no pensamento social latino americano sempre esteve presente uma narrativa à contra apelo da ocidentalização. O que se tem de diferente, portanto, é a retomada de um debate a partir de uma experiência histórica especifica. Os processos de independência dos países latino-americanos e a construção dos estados – nações na América ainda sobre forças imperialistas estão dentro de outro processo histórico que não o de onde surgiram os primeiros debates pós-coloniais de tintas africana e asiática. O caso Indiano, ou dos países africanos são muito mais recentes do que o ocorrido na América Latina que é datado a partir do Sec. XIX. Isto configura uma especificidade que deve ser levada em conta problematicamente para o caso Latino Americano neste debate. Os projetos de descolonização e utopistas existem em toda a história da América, ou seja, estamos tratando de um projeto específico já adiantando os que reclamam da falta de uma agenda política.
O pós-colonialismo Disputa política nas academias norte-americanas a partir do rotulo de “cultural studies” divide o saber a partir de uma geografização do conhecimento tendo como critério classificatório regiões identificadas culturalmente, em detrimento a problemas de fronteiras disciplinares. È neste contexto que conceitos como “fronteira” e “território” passam a caracterizar a política, produzidos num contexto de constantes fluxos migratório e que comungam uma experiência globalizante, acompanhada explicitamente pelos movimentos migratórios de ex-colônias para os países do centro, só que agora em um sentido diferente do que em outras épocas. Este fluxo nos Estados-Unidos, por exemplo, se reflete diariamente nas ruas e não só, mas também nos departamentos das universidades onde aparecem intelectuais como este materializando teoricamente o conflito, mas creio não de uma perspectiva reflexiva, mas muito mais “vivida”, o que dá o teor de “política” e ao mesmo tempo de dificuldade nas ciências sociais. Algo bastante experimentado em sua prática de pesquisa que é dar versão aos fatos cotidianamente vividos.
A noção colocada em questão por Mignolo é a de um estado multicultural em detrimento a um estado pluricultural que não consideraria apenas uma cosmologia válida. Situa-se aí a critica ao multiculturalismo, que engendra o projeto intelectual do qual Mignolo propõe. O caso da “Pluri-versidade” de Amawtay Wasi é expressivo neste ponto através de ataque às instituições universitárias que não tem os povos indígenas estudando assuntos que sejam de seu próprio interesse. O que não coloca em cheque à tradição ocidental e sim: “reproduzir esta prática significaria atuar segundo a lógica ocidental trocando apenas os conteúdos e não os termos em que se produz o conhecimento,”(Mignolo, 2007 ). Esta troca significa para Mignolo um reordenamento na produção do conhecimento o que ele especifica pela expressão uma mudança na “geografia da razão”.
Interculturalidade não faz par à multiculturalidade que segundo Mignolo significa que os princípios hegemônicos do conhecimento, a educação, as noções de Estado e governo, a economia política e a moralidade, entre outras questões são controladas pelo Estado, e que a partir deste controle, somente assim que as pessoas têm a “liberdade” de seguir adiante com sua “cultura” sempre que não põem em risco os “princípios epistêmicos” que sustentam a política, a economia, e a ética estatal (Mignolo, 2007 ). Não obstante, a interculturalidade segundo Mignolo dá conta de cosmologias diferentes: a ocidental e a indígena, por exemplo. E em sentido amplo como o mesmo Mignolo, interculturalidade se refere aos povos indígenas que reclama seus “direitos epistêmicos”, que não é o mesmo que “direitos culturais” (Mignolo, 2007 ). Fica claro pensando a partir destes conceitos a posição hierarquizada de certos grupos que tem concedidos à sua existência limitadamente seus direitos, e um problema ainda fica mais grave se pensarmos em países em que a maioria da população não responde as categorias ocidentais.
Assim, é deste mesmo embate que surge as teorias de aculturação como amplamente solfejadas na política indigenista do Brasil até a Déc. de 70. Levantamos uma objeção acerca da participação destes indivíduos mesmo que de maneira mitigada na construção destes próprios Estados. Estes não são os termos colocados por Todorov, os casos do sincretismo religioso das religiões afro-brasileiras? Se nestes casos temos exemplos históricos de resistência “cultural”, não haveria aí uma tática de resistência política especifica e, portanto, começa daí a participação destes próprios na construção do estado-nação, entendendo-o como comunidade imaginada conforme nos mostrou Benedict Anderson?
Segundo Mignolo a noção de interculturalidade foi introduzida em princípios dos anos 90 por intelectuais e lideres indígena e estava ligada a projetos de educação bilíngüe na (CONAIE) – Confederação de nacionalidades Indígenas do Equador -. A noção de fronteira tomada como substituição do sentido ideológico implícito no termo território como colocado por Simon Bolívar e Thomas Jefferson é um conceito fundamental para Walter Mignolo. Principalmente, no que se refere a uma nova categoria para se pensar o lugar da “América” através de uma postura crítica em um mundo globalizado. Esta é uma das possibilidades aventadas por Mignolo em seu projeto intelectual de crítica epistemológica através de noções como a de interculturalidade. Trata-se de uma proposta fruto de práticas institucionais específicas como exemplificadas no texto: Associação Caribenha de Filosofia, (CONAIE), Amawtay Wasi (Universidade Intercultural das Nações e Povos Indígenas), o Levantamento Zapatista de Chiapas “Los Caracoles”, Fórum Social Mundial, Fórum Social da América, entre outros.
Mignolo também exemplifica os usos da expressão América Latina nas políticas de identidade, tanto usado por estado-unidenses, intelectuais, sul-americanos, caribenhos, europeus, e como o termo aparece em diferentes usos de acordo com o contexto político a que está submetido. A proposta do paradigma da coexistência substanciado a partir da noção de interculturalidade como contribuição da experiência sofrida na “ferida colonial” como crítica à hegemonia ocidental.
A proposta de Walter Mignolo tem por foco principal A ênfase na discussão decolonial a partir do pressuposto da unidade de um projeto imperial ou decolonial que não pressupõe “diferenças” subjetivas, mas que leve em consideração, estritamente a questão da relação opressão/exploração. Aí está uma diferença básica em seu eixo de reflexão com relação às “políticas de identidade”. Estas mesmas que em um primeiro momento na confluência da “bagunça pós-moderna”, aparece acusada de profundo alheamento político tendo em vista o ceticismo “pós – moderno”. Assim a proposta decolonial coloca-se como uma alternativa política, levando-nos a refletir sobre a questão anterior.
Alguns apontamentos são passíveis de uma reflexão mais acurada em termo críticos: Quando a proposta de Walter Mignolo começa a debater a partir de “políticas de identidades” tomando como centro o que o autor chama de “ferida colonial”, sob o encalço de uma geopolítica também corporal está a selecionar um pressuposto que fundamenta o agir e o pensamento dos grupos envolvidos neste processo. Vale ressaltar, então, se não está sendo colocado um “falso” problema, como a questão: ler ou não ler Kant e Heidegger em detrimento a um pensamento autêntico? E aqui se faz a pergunta: o que tomar como autentico? Tal disposição teórica nos leva a indagar sob até que ponto uma radicalização de postura – esta que se estende até uma crítica à tradição do Pensamento Social Latino Americano, que segundo o autor remete diretamente ao crioulismo, e que, efetivamente, não dá conta de todas as identidades reinvidicadas atualmente. A situação é mais complicada pela aparição de um maior espaço para grupos atuarem politicamente, tendo em vista os constantes encontros, as facilidades dos meio técnicos de comunicação, entre outros, que levam a aparição de um maior número de interesses em jogo.
Temos assim diferentes propostas políticas reivindicadas por diferentes grupos no tempo histórico. Atualmente, a de Mignolo é fruto de práticas institucionais localizadas, e a proposta que coloco aqui é o levantamento histórico como perspectiva crítica dos diversos grupos e interesses envolvidos nos debates colocados, não com o intuito de um apoliticismo gratuito ou interessado como alguns poderiam supor, mas sim na tentativa de compreensão mais profunda, que não toma a reflexão a partir do caráter de “manifesto” como colocada por Mignolo. A partir daí pode-se fazer com auxilio da História uma Antropologia mais compreensiva, já que estamos diante de reinvidicações locais em contextos globais, de diferentes matizes culturais. A proposta fica assim então mais reflexiva do que prática, porém não assumindo uma postura desmerecedora da prática, mas levando em consideração a teoria como fruto de reflexão juntamente com a prática que não necessariamente implica “militância”. A questão que no texto de Krotz é tratada como utopia reflete muito bem este problema acerca da necessidade de utopia na prática cientifica, que no meu entender não é nada mais do que necessidade de prática militante acreditando em um fim, e por isso mesmo sempre revolucionária.
Parodiando uma conhecida música brasileira “cavalo manco”, assim é a antropologia que tomou a prática militante como projeto dominante. No meu entender, a disciplina não deve se fazer apenas utopicamente na prática militante, pois por mais revolucionaria que seja esta maneira, tal postura acaba por nos levar a perder os detalhes da estrada, de onde falamos? Porém, não se deve polarizar a situação para o lado contrário também, pois, ao mesmo tempo, a antropologia não deve nunca olhar para trás de forma exagerada (história), sob peso de se tornar meio de políticas conservadoras. E, para completar, não deve permanecer parada atenta somente aos detalhes. À antropologia cumpre refletir e agir considerando sempre o movimento em que está submetida, e é neste momento que a etnografia do conhecimento com sua vocação meta-reflexiva e a história da disciplina se tornam excelentes instrumentos para uma auto-reflexão. Com Mariza Peirano: “Onde está a Antropologia?” Ela está nesse exato momento respondendo: “Que barulho é esse o dos pós-modernos?” – citando Wilson Trajano – na antropologia.
BIBLIOGRAFIA
Abu-Lughod, L. (1991). “Writing against culture”. In: Recapturing anthropology: working in the present, . Santa Fe: Richard Fox.
Anderson, B. (2005). Comunidades Imaginadas – Reflexões Sobre a Origem e a Expansão do Nacionalismo . Lisboa: Edições 70.
Graeber, D. (2004). “Blowing up walls” e “Tenets of a non-existent science”. Fragments of an anarchist anthropology. Chicago: Prickly Paradigm Press.
Krotz, E. (1994). La Otredad Cultural Entre utopía y Ciencia: Um estudio sobre el origen, el desarollo y la reorientacion de la antropologia. México: Fondo de Cultura Econômica.
Mignolo, W. (2007). La Idea De América Latin: ” La herida colonial y la opcion decolonial”. Barcelona: Gedisa Editorial.
Oliveira, R. C. (1982). Sobre o Pensamento Antropológico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.
Peirano, M. (1997). “Onde está a antropologia?”. A teoria vivida e outros ensaios de antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar .
Sahlins, M. (2003). Esperando Foucault, ainda. São Paulo: Cosac e Naify.
Todorov, T. (1982). A Conquista da América: A Questão do Outro. São Paulo: Martins Fontes.
*Aqui chamo atenção para o termo “mundialização” no sentido da crítica de Abu-Lughod, Krotz e Mignolo, guardado suas respectivas diferenças, como o processo de globalização tomado conceitualmente apenas como a expansão da cultura ocidental ( Europa, Estados Unidos). Isto através de uma política imperialista em detrimento de uma categoria que seja útil para pensar o processo histórico recente do estreitamento de relações das ex-colonias a partir de fluxos migratórios e pelo avanço técnico cientifico que resulta no estreitamento das fronteiras que tem como corolário uma hierarquização “norte” e “sul”, “leste” e “oeste”, “centro” e “periferia”.
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